Celulose & Papel: Competitividade setorial pede reforço ao desenvolvimento de tecnologias inovadoras

Química e Derivados, Celulose & Papel: Competitividade setorial pede reforço ao desenvolvimento de tecnologias inovadoras

O clima é cada vez mais importante para o setor florestal. Não apenas por suportar o crescimento adequado das árvores, fornecendo chuva e insolação suficientes para se obter a produção ótima de madeira por unidade de área. As alterações climáticas abrem um novo campo de atuação para o setor: a captura de carbono como forma de compensar as emissões poluentes mundiais geradoras do efeito estufa, promotor do aquecimento do planeta.

As florestas plantadas constituem uma excelente alternativa de aproveitar o gás carbônico, transformando-o em materiais de alto valor, a exemplo da celulose, papel, papelão e produtos de madeira (postes, pontaletes, paletes e móveis, entre outros). Além disso, o avanço da tecnologia de processamento das árvores – especialmente no caso da obtenção da celulose – permite alargar os horizontes dos projetos, proporcionando métodos mais econômicos e sustentáveis de produção, além de introduzir ideias disruptivas, como a das biorrefinarias. Esses e outros temas foram discutidos durante o 49º Congresso e Exposição Internacional de Celulose e Papel, promovido pela Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel (ABTCP), entre os dias 25 e 27 de outubro, no Expo Center Norte, em São Paulo. “Estamos preparando o próximo encontro, que será realizado nas dependências do Hotel Unique, em São Paulo, apenas com o congresso, para comemorar os 50 anos da ABTCP em grande estilo”, adiantou Darcio Berni, diretor-executivo da associação.

Química e Derivados, Elizabeth: créditos de carbono abrem oportunidades ao setor
Elizabeth: créditos de carbono abrem oportunidades ao setor

Efeitos climáticos – A 21ª Conferência do Clima (COP21), de 2015, estabeleceu métricas para avaliar e conter as emissões de poluentes capazes de influenciar o aumento da temperatura do planeta, com foco nas principais economias mundiais. Os termos desse acordo global exigiram ratificação por parte de cada Estado participante, atividade concluída em outubro de 2016, com grande alarde. “As metas estipuladas na COP21 se tornaram leis nacionais nos 55 países signatários, que representam 55% de todas as emissões mundiais, com validade prevista para o período entre 2020 e 2030”, salientou Elizabeth de Carvalhaes, presidente do Instituto Brasileiro de Árvores (Ibá) e também do Conselho Internacional das Associações de Florestas e Papel (ICFPA). Aliás, trata-se da primeira brasileira a presidir a entidade global do setor.

O ICFPA é um conselho de natureza privada, composto por doze países que exploram florestas plantadas em escala comercial, representando mais de 90% da celulose e 60% da madeira produzidas no mundo. Atualmente, as metas climáticas da COP21 estão no centro dos debates promovidos pelo ICFPA. “Precisamos definir mecanismos de mercado para atuar na área climática, porque sem gerar valor econômico, essas metas não serão alcançadas, pois não dá mais para sangrar os cofres do tesouro de nenhum país”, afirmou Elizabeth.

De mesma forma, o bolso dos contribuintes e das empresas já está por demais esfolado por tributos, tornando indesejável a instituição de impostos para cobrir os custos do controle das emissões. “Seria possível, porém, pensar em um imposto para agravar a situação dos produtos poluidores para incentivar o avanço de tecnologias mais sustentáveis”, comentou.

No caso do Brasil, ainda é preciso definir critérios para a precificação do carbono, de modo a viabilizar a emissão de créditos. “O setor florestal é altamente superavitário e já aproveita essa disponibilidade nos seus resultados, mas o país precisa entrar firme na economia de baixo carbono e a pressão dos consumidores é essencial para isso”, afirmou. Há oportunidades também para que o setor florestal aproveite suas florestas plantadas e reservas de cobertura nativa para ingressar no campo das compensações de área, como previsto no novo processo de cadastro e licenciamento ambiental.

Química e Derivados, Aguiar: preço internacional da celulose está em recuperação
Aguiar: preço internacional da celulose está em recuperação

Escalando o ranking – O setor florestal caminha na contramão da economia brasileira. Enquanto o PIB nacional encolhe há três anos consecutivos, gerando o lastimável contingente de 22 milhões de desocupados, a produção florestal brasileira somou R$ 69 bilhões em 2015 (6% de todo o PIB), tendo recolhido aos cofres públicos R$ 11,3 bilhões em tributos (1% de toda a arrecadação nacional) e mantido 540 mil postos de trabalho diretos, como relatou Carlos Aguiar, presidente do conselho deliberativo do Ibá. As exportações setoriais também exibiram bom desempenho no ano passado, chegando a US$ 9 bilhões, com aumento de 6% sobre o ano anterior.

O Brasil ocupa a quarta posição no ranking mundial dos produtores de celulose, gerando 17 milhões de t/ano, com previsão de subir um degrau na classificação em 2020, quando terá capacidade para produzir 21 milhões de t/ano. Com isso, ficará atrás apenas dos Estados Unidos e da China. “O Brasil segue na dianteira porque mantém investimentos contínuos em pesquisa florestais e em processos industriais, conseguindo apresentar o menor custo de produção por tonelada de celulose de fibra curta”, comentou Aguiar.

Neste ano, a Klabin deu a partida no projeto Puma, em Ortigueira-PR, fruto de investimentos de R$ 8,5 bilhões, com o objetivo de produzir 1,5 milhão de t/ano de celulose de fibra curta (1,1 milhão) e fibra longa (em grande parte convertida para fluff, usado em fraldas e absorventes). No último trimestre de 2017, deve entrar em marcha o projeto Horizonte 2, da Fibria, que acrescentará 1,95 milhão de t/ano à capacidade produtiva da unidade de Três Lagoas-MS, que alcançará 3,25 milhões de t/ano.

Esses são os mais novos projetos do setor, que também registra iniciativas recentes de vulto, como o projeto da Suzano em Imperatriz-MA, e a fábrica integrada da Eldorado Brasil (1,7 milhão de t/ano, com expansão prevista para 2019) em Três Lagoas-MS.

Na produção de papel, a posição brasileira não é tão confortável quanto a de celulose. As 10 milhões de t/ano fabricadas no país o colocam em um modesto nono lugar no ranking mundial. “Em dez anos, chegaremos ao sexto lugar nesse item”, prognosticou Aguiar, com base nos projetos setoriais já anunciados.

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O setor florestal brasileiro aproveita a excelente vantagem climática para ser competitivo no campo. “As pesquisas não param nunca, buscam sempre árvores mais produtivas, com mais fibras e maior resistência às pragas, variações climáticas e salinidade”, ressaltou o presidente do conselho do Ibá. A produção de materiais derivados de madeira também apresenta avanços, buscando oferecer alternativas mais leves e resistentes para diversos mercados, além de gerar matéria-prima para futuras biorrefinarias e para a produção de nanocelulose. “O setor florestal dá origem a mais de 5 mil produtos diferentes, mas exige novos processos para ser mais competitivo e sustentável”, alertou Aguiar.

Do ponto de vista econômico, a produção de celulose e papel caminha para um novo ponto de equilíbrio mundial entre oferta e demanda. Cresce o consumo de papel no setor de embalagem e também na área de tissue (em especial, em produtos para higiene), enquanto surgem novos projetos para suprir a procura. “Além das grandes plantas em construção no Brasil, a Indonésia pretende inaugurar em 2017 uma unidade para 2,5 milhões de t/ano, isso vai dar um choque de oferta, acelerando o fechamento de fábricas menos eficientes ao redor do mundo”, comentou Aguiar.

Os produtores brasileiros contaram com a ajuda da desvalorização do real em 2015, ano em que conseguiram obter bons resultados mesmo com a queda do preço da celulose no mercado mundial. “Em 2016, o real recuperou valor, mas as cotações internacionais da celulose saíram do fundo do poço e equilibraram os balanços das indústrias brasileiras”, avaliou Aguiar.

Química e Derivados, Atividade florestal respeita a legislação do meio ambiente
Atividade florestal respeita a legislação do meio ambiente
Química e Derivados, Farinha: pesquisas avançadas desafiam a hegemonia do kraft
Farinha: pesquisas avançadas desafiam a hegemonia do kraft

Tecnologia competitiva – Contar com alternativas inovadoras em produtos e aplicações permitirá ao setor florestal manter e ampliar sua rentabilidade, revertendo uma curva de tendência observada há alguns anos. Como explicou Carlos Alberto Farinha e Silva, vice-presidente da Pöyry e respeitado especialista nessa área, o consumo total de papel no mundo crescerá 1% ao ano por um prazo longo, sustentado pela demanda por embalagens (papel e papelão) e por tissue, neste caso puxado pelo enriquecimento das classes médias emergentes, a exemplo da Índia, mais do que compensando a queda do uso de papel para impressão gráfica.

Nesse ambiente, no longo prazo, o setor tende a reduzir suas margens, mediante o acirramento da competição. “A indústria precisa se diversificar para não depender só do mercado de papel; nesse sentido, a biotecnologia e a nanotecnologia estão sendo estudadas para gerar alternativas”, comentou Farinha.

Ao redor do mundo, o processo kraft de produção de celulose se estabeleceu como dominante. A seu favor, Farinha aponta a produção conjunta de celulose e energia, ambas com elevado valor de mercado. “Trata-se de um processo sobejamente conhecido e dominado, que consome madeira, água e insumos químicos, está bem dimensionado, com balanços de massa e energia satisfatórios; porém é um processo altamente complexo, com várias unidades internas e alta demanda de capital inicial”, salientou. Uma fábrica de porte internacional requer, no mínimo, US$ 2,5 bilhões para instalação, consumindo muito dinheiro, cujo financiamento é difícil.

Unidades de tão grande porte (escala é relevante, no caso) requer grandes extensões de terra para o plantio de florestas capazes de suprir o empreendimento, com todos os custos logísticos disso decorrentes. “O Brasil ainda tem bastante terra disponível, mas a Europa e o Japão, não”, comparou, afirmando que além da terra, o país conta com clima e variedades de árvores bem adaptadas, constituindo uma vantagem considerável contra concorrentes. A entrada em operação de unidades gigantes também provoca fortes impactos no mercado global, gerando incertezas que prejudicam a atividade.

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Farinha observa que o processo kraft admite o uso da lignina como combustível para caldeiras, aumentando a geração de energia, que pode ser reforçada com a queima de resíduos florestais, óleos e outros. As amplas áreas também podem receber painéis fotovoltaicos e torres eólicas, aumentando a geração de energia para venda ao mercado. “A incapacidade de aproveitar economicamente bem a lignina sobrante acabou por inviabilizar o processo Organossolv, criado no Canadá, que usava etanol como solvente”, apontou.

Segundo o especialista, um consórcio europeu estabeleceu diretrizes para desenvolvimento de processos no setor com vistas a 2050, com o objetivo de reduzir emissões de gás carbônico em 80% e de aumentar em 50% o valor dos produtos obtidos. “Eles estão desenvolvendo na Holanda o processo Deep Eutetic Solvents (DES) como alternativa ao kraft”, informou. Trata-se do esforço combinado de vinte empresas, três universidades e dois institutos de pesquisas.

Trata-se de um grupo de solventes de alto ponto de ebulição que são produzidos pelas próprias árvores para manter líquida a seiva em seus vasos durante o ano todo. Esses solventes são capazes de dissolver seletivamente a lignina, hemicelulose e celulose, de forma rápida e eficiente, com baixo consumo de energia e bom aproveitamento de subprodutos. Os insumos químicos consumidos nesse processo são baratos e recuperáveis. “O DES é um processo onívoro: pode ser alimentado por madeira, aparas de papel, resíduos agrícolas e outros similares”, disse.

“Não creio que o processo kraft desaparecerá, mas as alternativas conviverão com ele e, em alguns casos, serão preferidas”, avaliou. “O setor precisa estar atento a esse tipo de mudança de paradigma.”

Farinha critica a falta de esforços concentrados de pesquisa e desenvolvimento do setor no Brasil. “Aqui não se pesquisa para o longo prazo, nem há uma entidade que centralize esses esforços”, apontou. O país deveria desenvolver tecnologia própria, mesmo porque usa matéria-prima diferente em relação a outros lugares do mundo.

“Sugiro ao setor elaborar uma agenda de trabalho para 2030, reunindo empresas, agentes técnicos (universidades e centros de pesquisa) e consultores que poderiam ser capitaneados pela ABTCP, com o intuito de identificar ameaças e oportunidades ao setor”, ressaltou.

Para o curto prazo, o foco dos estudos deve ser dirigido à competitividade. No médio prazo, o interesse está em criar novas aplicações, enquanto para um futuro mais distante, tecnologias disruptivas.

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Ex-presidente da ABTCP e conhecido especialista do setor, Lairton Leonardi endossa a sugestão de Farinha e lamenta a falta de união da cadeia produtiva do setor. “Cada empresa investe muito em suas próprias soluções, muitas vezes isso significa reinventar a roda, não é eficiente para o setor como um todo”, lamentou.

Leonardi apontou para o fato de os investimentos mais recentes terem sido executados mediante a contratação de um único fornecedor de tecnologia. “Estamos ficando dependentes de soluções importadas, como acontecia nos primórdios do setor”, disse. “O gozado é que não montamos nossos clusters tecnológicos, mas compramos as tecnologias desenvolvidas por clusters de outros países”.

Essa opção de adquirir o conhecimento produzido no exterior tem a implicação direta de reduzir a demanda pelos serviços de consultores e especialistas locais, bem como de universidades e instituições de pesquisa. “Precisamos de uma visão nova para desenvolver tecnologia no setor”, recomendou Leonardi.

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